quarta-feira, 23 de julho de 2008

Adeus, Mundo Imundo!

Mataram este mundo! Ele está doente, ferido, poluído, destruído, desconstituído... Mataram todas as pessoas deste mundo imundo. As pessoas estão doentes, podres, sujas e contaminadas assim como seus respectivos pensamentos. Acabaram de assassinar aquilo que de mais precioso nós tínhamos: o pensamento. Quantas seringas eu vi espalhadas pelo chão que brincávamos quando crianças... Quanto esgoto vi sendo derramado nas águas da cachoeira que cheguei a me banhar e saciar a minha sede... Atrás da casa onde morava, passava um rio. Uma vez deram um tiro no rio. Não um tiro de revólver ou algo parecido. Deram um tiro de sacola plástica. Transformaram o rio que passava atrás da minha casa em valão. Chorei...

Meu Deus! Acabaram com tudo! Mas eu não podia me entregar assim tão fácil à imundície generalizada presente naquele mundo que encontrei por aqui. Tratei de enxugar as lágrimas que rolavam do meu rosto e comecei a varrer aquele lixo todo a fim de fazer, sozinho, um mundo novo baseado nas lembranças que eu tinha da minha infância.
A primeira sujeira que tive de tirar foi também a mais difícil de ser removida. Tratava-se daquela que eu deixei permear o meu pensamento. Tratei de tirar todas aquelas toxinas e ervas daninhas das quais eu mesmo havia me impregnado. Foi difícil, mas não impossível.
Então comecei a arrumar o mundo para que ele ficasse do jeitinho que eu sempre quis. E passei a convidar as pessoas que gosto para morarem lá comigo. Eu dizia a elas que lá no meu mundo novo, cada um estaria livre de qualquer coisa que de certa forma as aprisionava naquele mundo imundo de outrora.
Disse também que no mundo à minha maneira, as pessoas se abraçam o tempo todo e cuidam umas das outras com todo o esmero e determinação possíveis.
No meu mundo não existe compromisso, obrigação, calendário, relógio, telefone celular nem rotina.
No meu mundo, as casas ficam no alto das árvores, as camas são redes e cada um cultiva sua própria horta.
No meu mundo, o despertador é o cocorocar do galo.
No meu mundo, ninguém acorda com pressa. Lá, todo mundo adora acordar, levantar da rede e se espreguiçar na esteira ou acordar, levantar da esteira e se balançar na rede.
No meu mundo, cada pessoa faz uma viagem todos os dias ao interior de seu interior todas as manhãs juntamente com o primeiro raio-de sol.
No meu mundo, cada um é livre para pensar aquilo que der na telha.
No meu mundo, as pessoas podem flutuar, levitar, ficar horas em baixo d'água, passear pelo subsolo feito minhoca ou se pendurar nos galhos que nem preguiça.
No meu mundo, as pessoas podem cantar o canto de qualquer pássaro e até mesmo voar que nem qualquer espécie de ave.
No meu mundo, todos andam com os pés no chão para sentir a energia que brota da terra e nos liga à natureza.
No meu mundo, as panelas são de barro e em cada janela observamos flores coloridas nos vasos ou nas cortinas.
No meu mundo não existe chuveiro. Quando temos calor, mergulhamos na água da cachoeira, ou da praia, cada um escolhe.
No meu mundo, bebe-se água no mesmo rio em que se toma banho.
O meu mundo tem cheiro de terra molhada pela chuva. Cheiro de incenso. Cheiro de alecrim e hortelã. Cheiro de cravo, almíscar, canela e sândalo.
O telefone, no meu mundo, são os murmurinhos que fazem cócegas quando sussurrados ao pé do ouvido.
No meu mundo, os cabelos são como raízes e nos fincam à terra e nos contam histórias.
No meu mundo não tem supermercado. Cada um tem sua própria horta e sua vaquinha leiteira. E o escambo definitivamente extinguiu o dinheiro.
No meu mundo, jacarés não são cintos nem bolsas. E as onças não são tapetes nem casacos.
No meu mundo, não comemos peixes, galinhas ou bois. Lá, entendemos que eles tem o direito de viver como nós e transitam livremente por entre a gente. E esse respeito mútuo faz a vida no meu mundo mais feliz.
No meu mundo somos capaz de colher no mesmo pé: goiaba, maracujá, acerola, sirigüela, jaboticaba, banana, melancia, açaí, manga, amora, mamão, abacate, cupuaçú, carambola, romã e graviola.
E depois de comer qualquer fruta em cima de qualquer árvore, nada melhor que dar aquele mergulho e deitar sobre uma enorme pedra à sombra de um gigantesco baobá para observar as sobras projetadas pela luz do sol quando passa por entre as folhas das árvores.
À noite, tomamos chá de cogumelo, fumamos cachimbo, dançamos ao redor da fogueira ao som da sanfona, da gaita, das palmas e dos risos de todos que se consideram realmente felizes.
O mundo que eu criei tem espaço pra todo mundo que já habitou aquele mundo imundo, basta querer e me dar a mão.